terça-feira, 12 de agosto de 2008

Com pesar...

...hoje saí do armário.

Hoje eu me assumi, pelo menos em parte. Hoje decidi aceitar o peso e o julgamento do que eu sinto.
Uma paciente muito querida faleceu essa manhã. A atendia desde 2003, uma senhora especial, muito inteligente, muito sábia e pondera, admirável. Havia passado por período prolongado de descrédito por ser portadora de transtorno afetivo bipolar, por ser "psiquiátrica". Com o passar do tempo aprendi a decifrar o que a minha paciente sentia ou precisava, por trás das queixas e sintomas. Muitas vezes não discutimos o porquê mas o quê diretamente. Eu sabia o que ela queria dizer e ela entendia o meu recado. Com o passar do tempo conquistei sua confiança e tornei-me seu médico de referência. Cada novo medicamento, cada conduta de outros colegas, ela me consultava para checar se estava certo ou se podia adotar tal medida. Ao longo do tempo passei a me identificar com essa posição, uma deferência, um reconhecimento. Mas também o peso da responsabilidade, o compromisso de defendê-la, de proteger a sua saúde. Mas hoje cedo, a paciente morreu. Há pouco uma colega que a acompanhava me ligou, então fiquei sabendo. Fiquei chocado, sentimento de desrealização, um pouco confuso, uma mistura com profundo saudosismo, uma fila de imagens, vozes, sorrisos, uma busca pelas últimas palavras ao telefone. Quando a filha da paciente, também médica me ligou, logo em seguida, não consegui me conter. Apesar de minha formação inflexível, meu treinamento silencioso, do conhecimento do código não escrito dizer que "nunca poderás se emocionar" e "sempre deverás agir como se nada sentisse", eu capitulei, fui fraco e chorei ao telefone. Não foi a primeira vez, mas a primeira que assumo. Nesse momento não consigo me julgar, tendo a me absolver. Ou me tornar um criminoso para sempre. Este post é sem imagem.

Um comentário:

  1. Olá,

    Sinto muito pela sua perda. De nqualquer maneira, saber que mesmo você tem um lado "humano" e que justamente por isso é capaz de enpatizar com todos os desejos e impulsos dos seus pacientes é reconfortante.

    Beijinhos.

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