quinta-feira, 25 de outubro de 2007




Psicanálise ou medicamentos?



Essa questão é parte do dia-a-dia de qualquer psiquiatra ou de quase todos os pacientes em qualquer consultório psiquiátrico. Os pacientes querem sempre saber se o que o médico lhe diz ou prescreve é realmente o melhor para ele, se houve uma escolha cuidadosa e atenta onde alguns checam as bases de tal decisão solicitando maiores detalhes acerca das hipóteses, conhecimentos atuais sobre o assunto, objetando, insistindo, o que é uma delícia. Muitas vezes o paciente chega até o meu consultório imbuído de uma convicção sobre tomar ou não medicamentos e sobre o próprio diagnóstico. Paradoxal mas acontece. E como lidar com os diversos pacientes, principalmente os menos convictos? Sempre de forma gelada, fria. Em relação às paixões do tipo time de futebol, escolha de partido político ou causa ambientalista! Nesse momento o psiquiatra tem que sacar o manual dos conhecimentos acadêmicos do bolso e desfiar o rosário. Explicar cada efeito colateral tim tim por tim tim, como as decisões são tomadas em psiquiatria, quais são os break-even, qual a melhor opção de tratamento de acordo com a fase mutante e progressiva das doenças, como proceder diante dos efeitos colaterais. As decisões em psiquiatria mudam ao sabor dos ventos do conhecimento e das publicações. Certezas nunca duram muito, apenas até a próxima pesquisa avassaladora que diz exatamente o contrário de até então. Mas eu sempre preciso inspirar segurança e transmitir confiança a meus pacientes. O que produz em mim esses 2 sentimentos? Em primeiro lugar, milênios de conhecimento científico e médico acumulados, tijolo sobre tijolo, terremotos e reconstruções, onde a medicina em muitos momentos se aproximou, em outros se afastou da ciência. Aliás resumidamente, o conhecimento cientifico, segundo a filosofia pode ser simplificadamente explicado assim: sem uma experiência muito bem feita que confirme uma hipótese ou delírio, nada feito! Como sou empirista ou um seguidor de São Tomé, só vendo para crer. As revistas cientificas médicas são um sem número de experimentos realizados com ou sem sucesso e relatados à exaustão mundo afora. Cabe ao estudioso leitor saber separar o joio do trigo, ou o diamante da areia. Eu me confesso. É difícil acreditar em uma frase, idéia ou informação porque alguém viu ou falou, mesmo que seja o jornal ou a televisão que tenham dito. Nós todos sabemos que o que se fala nem sempre é confiável porque sempre existem interesses influenciando as versões das informações. Mas na produção cientifica, uma boa mentira não resiste muito tempo. Há uma turma de pesquisadores que luta para ratificar um achado, enquanto outra, luta para negar o que a outra encontrou. Outros correm por fora e contribuem para o esclarecimento verdadeiro da questão. Uns poucos aproveitam os 1,5 segundos de fama e olofote. Ou seja, nenhum remédio milagroso tem longa vida à luz da ciência. Nenhuma certeza falsa também. A ciência tem a humildade de olhar para os próprios erros, aceitá-los e corrigíi-los, ou muitas vezes deixa uma pergunta no ar, sem resposta. Por séculos. Então, o que é melhor? Psicanálise ou medicamento? A resposta óbvia é depende. De vários fatores. O primeiro é saber se trata-se de doença ou não? A psicanálise propõe-se a tratar como os medicamentos? A psicanálise trata tudo ou qualquer coisa? A psicanálise per se já é terapêutica ou como os medicamentos, depende da habilidade do profissional? Ou seja, quem trata? A psicanálise ou o profissional? O psicanalista usa somente a psicanálise como única ferramenta em um tratamento? Pode ou deve usar outros? Bem. Para boa parte dessas perguntas, posso dar respostas bem palpáveis, sólidas, certas, comprovadas por experimentos replicáveis em qualquer parte do mundo mas só quanto aos medicamentos, mas pela própria natureza humana e da psicanálise desde sua origem, é muito mais difícil o mesmo para os psicanalistas.
Independente do profissional ou cultura. Assim deve ser a ciência. Despersonalizada, propriedade de todos, da humanidade. Sem arauto, ao alcance de qualquer um, simples de entender. Claro que o modo cientifico de enxergar a realidade não é o único, mas nessa seara, para mim tem sido com muito prazer, obrigado. Consigo flexibilizar em outras áreas como, na própria filosofia, no estudo dos mitos e das religiões, nos estudos antropológicos, na análise das diferentes culturas, na observação do comportamento humano como passatempo numa praça, quando penso em árabes e judeus. Em alguns momentos cheguei a ver a psicanálise como um instrumento do prazer do terapeuta. É muito divertido e prazeroso hipotetizar, pensar nas propostas freudianas para o inconsciente, em como ele teorizou e explicou o comportamento humano. Mas me lembro que como a ciência, não posso ter uma única forma de ver as coisas, então imediatamente saio a ler outros textos e a buscar outras referências teóricas. A psicanálise muito me ajudou a ouvir melhor e mais atentamente o meu paciente, a enxergá-lo muito mais como um ser-humano complexo que por mim visto na faculdade, para ampliar a minha noção de organismo como um todo, inseri-lo num ambiente externo e outro interno. Ajudou-me a encontrar algumas boas explicações, diria até lógicas, para algumas angústias sem resposta e me acalmar. Em muitos momentos da vida oscilei entre um ser absoluto cientista e um absoluto teórico. No mais das vezes mantive-me mesclando. Em constante movimento. Eu não conseguirei responder a todos as perguntas que eu sei fazer quiçá as dos meus pacientes. O que os leitores acham de procurarmos luzes em conjunto?

Um comentário:

  1. Adorei esse texto, também penso como vc a respeito da Psicanálise. Inclusive tem uma fala de contardo Calligaris no livro "Cartas a um Jovem Terapeuta" que gostei muito e acredito ser muito pertinente nessa questão. Ele diz que todo psicanalista em suma, por mais que negue o tempo todo usa diversas abordagem com seu paciente sem se dar conta.
    Concordo muito com isso. fica ai uma reflexão...
    Abç.

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